Já era certo, ninguém esperava outra coisa, mas a notícia é importante assim mesmo: Ben Affleck não será mais o Batman nos cinemas.
O próprio ator confirmou o fato pelo Twitter, passando adiante uma notícia sobre o filme solo do Batman estar previsto para 2021 e se dizendo empolgado para ver a nova visão do diretor Matt Reeves para o personagem. Ou seja, deu a entender que não faz mais parte do projeto, sem na verdade admitir que não está mais a bordo.
Não foi a maneira mais corajosa de informar algo tão relevante, mas tudo bem, é o que havia para hoje. A verdade inconveniente é que Ben nunca pareceu muito feliz no papel e realmente não deu sorte nos três filmes em que vestiu a máscara e as botas do alter ego de Bruce Wayne.
Aproveitando o momento, seria justo afirmar que o problema maior do Batman não seja aqueles que o interpretam, mas o próprio personagem em si? É só perceber que nenhum ator funcionou de uma maneira, digamos, certeira e absoluta. Conforme escrevi aqui, o manto e a máscara do Batman são fardos bem pesados para qualquer um carregar. A tradição fundamentada nas HQs ao longo de 80 anos é grande demais para ser ignorada. E esse peso só aumenta quando se está diante de vilões (e atores e atrizes) incríveis que nem precisam se esforçar para roubar a cena. É simplesmente uma batalha árdua demais para um herói só, independente de quem exerça esse papel.
Lembremos. Na série de TV, Adam West era pouco levado a sério e praticamente desaparecia quando contracenava com o Coringa de Cesar Romero e o Pinguim de Burgess Meredith. No cinema, Michael Keaton deu o azar de dividir a tela com Jack Nicholson, inspiradíssimo e imbatível com seu Coringa enlouquecido. As coisas não ficaram mais fáceis em Batman – O Retorno, quando Keaton enfrentou o Pinguim de Danny DeVito e a Mulher-Gato de Michele Pfeiffer, cada um aproveitando cada minuto na tela.
Mudar de ator ao longo de uma série não era um grande problema nos saudosos anos 1990, quando não havia o escrutínio impiedoso da internet. A tarefa de Val Kilmer não ficou mais fácil em Batman Eternamente, que dividiu cena com dois notórios roubadores de cena, Jim Carrey (Charada) e Tommy Lee Jones (Duas-Caras). Em Batman & Robin, George Clooney simplesmente não conseguiu embutir carisma em sua performance, talvez porque o filme como um todo não tenha ajudado muito (inclua nesse pacote seu uniforme com mamilinhos). Nesse cruel contexto, Arnold Schwarzenegger (Senhor Frio) e Uma Thurman (Hera Venenosa) nadaram de braçada.
Christian Bale foi quem se saiu melhor, talvez porque teve mais tempo para atuar sem a máscara ao longo da trilogia de Christopher Nolan. Quando confrontado com um vilão em performance sobrenatural, como foi o caso do Coringa de Heath Ledger, Bale foi um bom coadjuvante. No mais, ele jamais comprometeu, mas também não foi tão memorável ao ponto de ser lembrado indiscutivelmente como “o Batman definitivo”. Os filmes dos quais ele participou foram melhores, simplesmente isso.
É por isso que a chegada de Ben Affleck a esse papel icônico foi tão celebrada por fãs e críticos — lembrando que isso ocorreu em 2013, uma época muito mais dependente de repercussões em redes sociais. Affleck entrou triunfante em Gotham City pela porta da frente, ainda celebrando os louros do Oscar de Melhor Filme por Argo, que dirigiu e produziu. Tanta moral lhe rendeu um contrato de longa duração com a Warner, que previa aparições em vários filmes e o controle da direção e roteiro do filme solo do Batman. Com tantas qualidades, apoios e confetes a seu favor, não havia como dar errado.
Só que deu. Batman Vs Superman: A Origem da Justiça sofreu com um roteiro complicado e uma direção pesada e apanhou da crítica. Isso não ajudou muito na expectativa de Liga da Justiça, que apesar de melhorar a situação em alguns fatores, continuou evidenciando os problemas do universo cinematográfico da DC Comics. No meio do caminho, Affleck ainda arrumou tempo para dar as caras em Esquadrão Suicida, o que não contribuiu muito para a construção de seu personagem na saga.
Outro problema é que o Bruce Wayne de Affleck é bem diferente de um filme para o outro, quase como um ser esquizofrênico com dupla personalidade. Carrancudo em Batman Vs Superman e ligeiramente bem-humorado em Liga da Justiça, o morcego affleckiano não conseguiu gerar muita empatia, por mais que o ator se esforçasse para colocar personalidade ao herói. A recepção aos filmes atrapalhou e ele pareceu pouco a pouco perdendo a vontade de seguir. Após desistir de dirigir The Batman para se concentrar no papel, as coisas pareciam estar se normalizando. Só que não…
Mas assim é Hollywood e o show precisa continuar — e The Batman vai acontecer mesmo sem Ben Affleck, já com data de estreia para vir ao mundo: 25 de junho de 2021. E a ideia do novo comandante Matt Reeves é mostrar um enfoque inédito em um Batman mais jovem. Podemos esperar por mais uma história de origem… como se já não soubéssemos como essa história toda começou.
Como fã, admito que o Batman nunca foi representado no cinema da mesma maneira que nos quadrinhos. Nenhum longa-metragem se concentrou realmente no âmago do personagem, no conflito entre Bruce Wayne e seu alter-ego, nos dramas e traumas que o definem, no peso e contradições de usar a capa. Parece ser sempre uma questão de como o herói vai lidar com os vilões e desafios que assolam Gotham — que sempre surgem, filme após filme. Dificilmente um ator vai brilhar sendo o Batman, porque o Batman nunca é o verdadeiro protagonista. Além disso, imagino que não deva ser fácil demonstrar qualidade de atuação passando a maior parte do tempo com a cara coberta por uma máscara e falando com a voz rouca.
E é por isso que pergunto: insistir mais para quê e até quando? Dificilmente vai dar certo. Não precisamos de um novo Batman agora, e nem de uma nova história de origem do Batman. Assim como ainda não precisávamos de mais uma versão do Homem-Aranha. Até quando a cultura pop terá essa dependência nas mesmas histórias para mover a sua roda adiante? Que venham outros heróis, porque eles existem e é só saber procurar. Vamos lá, pessoal de Hollywood, vocês conseguem ser melhores do que isso.
Texto originalmente publicado na coluna Admirável Mundo Pop do site AdoroCinema em 3 de fevereiro de 2019.