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[O texto a seguir foi escrito para a coluna “Admirável Mundo Pop” que publiquei semanalmente no site AdoroCinema entre 2018 e 2019. Na ocasião (março de 2019), a proposta era analisar e celebrar o ano de 1999, um dos mais produtivos, inventivos e marcantes da história do cinema comercial.]
O que você costumava fazer há 20 anos, mais precisamente em 1999? Enquanto você pensa a respeito, te digo minha resposta: eu fui muito ao cinema. E nem poderia ser diferente. Hoje tenho certeza (e várias pessoas também acham) de que nunca houve um ano melhor que aquele para ver novos filmes.
Você pode argumentar que 1977 foi maravilhoso, que 1984 foi marcante, que 1994 foi poderoso, que 2007 foi especial. Mas admita, nenhum desses foi como 1999. A quantidade de obras cinematográficas únicas, relevantes e impactantes supera a de qualquer período na história dessa arte que tanto adoramos. Dessas, havia pouquíssimas continuações ou versões de franquias já estabelecidas em outras mídias (e pasme, nenhum filme de super-herói). Ao mesmo tempo, praticamente todos os diretores e astros que importavam se encontravam em atividade, enquanto diversas novas caras se estabeleciam. Tudo parecia moderno, ousado, de alto nível. Parecia o futuro chegando.
Não é coincidência que 1999 foi também o mais importante da minha vida profissional, já que foi o primeiro ano em que realmente exerci a função de repórter de entretenimento. Eu trabalhava em uma revista de videogames e aos poucos passei a atuar nas outras publicações da editora — no caso, a revista Herói. Foi quando finalmente comecei a comparecer às míticas cabines de imprensa, para assistir aos filmes em sessões especiais para jornalistas com dias de antecedência em relação aos lançamentos oficiais.
Posso dizer que tive a sorte dos novatos. Minha primeira cabine foi de certo filme de ação e ficção científica do que eu nem havia ouvido falar, mas que se provou bem importante mais tarde – um tal de Matrix. Semanas depois, vi um certo Star Wars: Episódio I antes de todos os meus amigos.
Ao longo dos meses seguintes (e também nos anteriores), fui ao cinema de modo obsessivo, praticamente toda semana. Sempre havia algo no mínimo interessante para se ver e quase sempre eram filmes com expectativa zero, que ninguém estava esperando. Lembro de cada sensação ao olhar para os ingressos que guardo até hoje daquele 1999 tão atípico, intenso e divertido, cinematograficamente falando. Na época, nem dava para notar que se tratava de um momento especial que não iria se repetir de novo. Era como se as coisas devessem ser boas daquele jeito.
A imprensa da época, da qual eu começava a fazer parte, também não se deu conta de que algo diferente estava rolando. É claro que filmes bons são lançados todos os anos. A questão é que boa parte deles funciona somente na época em que são lançados, e não muito tempo depois disso. Já a safra de 1999, não: são muitos filmes que envelheceram bem demais. Alguns se tornaram clássicos em seus gêneros. Outros são os melhores de certos diretores. Até hoje, especialistas tentam explicar os motivos de 1999 ter rendido tantos longas-metragens incríveis — há algumas boas teorias a respeito (esta aqui, inclusive, foi escrita naquele mesmo ano).
Seria a inspiração causada pelo medo da virada do século, do bug do milênio, do fim do mundo? Um inesperado choque de gerações entre cineastas antigos e novos? Ou seria aquela rara convergência de fatores atípicos que leva a fatos extraordinários? Talvez tudo isso junto, com algum ingrediente mágico a mais temperando tudo — alguma coisa que colocaram na água de Hollywood, possivelmente? E tem outro fato interessante que pouca gente comenta: os videogames experimentaram um fenômeno semelhante de alta qualidade, mas um ano antes, em 1998. Talvez seja preciso estudar esses casos a fundo. Quem sabe eu ainda tente escrever uma tese acadêmica sobre isso.
Mas vamos às evidencias que provam a singularidade espetacular de 1999. Começando pelos diretores: talvez não tenhamos outro ano em que tantas figuras essenciais lançaram seus filmes. Foi o ano de De Olhos Bem Fechados, o último projeto de Stanley Kubrick, que morreu naquele ano. Também tivemos obras de muitos premiados do Oscar, como Ang Lee (Cavalgada com o Diabo), Milos Forman (O Mundo de Andy), Woody Allen (Poucas e Boas), Oliver Stone (Um Domingo Qualquer), Martin Scorsese (Vivendo no Limite), Clint Eastwood (Crime Verdadeiro), Anthony Minghella (O Talentoso Ripley), Ron Howard (EdTV), Roman Polanski (O Último Portal), Steven Soderbergh (O Estranho), Sydney Pollack (Destinos Cruzados), Richard Attenborough (O Guerreiro da Paz) e Barry Levinson (Ruas da Liberdade).
Ainda falando de diretores já indicados ao Oscar, 1999 teve grandes filmes de David Lynch (História Real), David O. Russell (Três Reis), Robert Altman (A Fortuna de Cookie), Alan Parker (As Cinzas de Angela), Pedro Almodóvar (Tudo sobre Minha Mãe), Alexander Payne (Eleição), Lasse Hallström (Regras da Vida), Norman Jewison (Hurricane – O Furacão), Sidney Lumet (Gloria), Spike Lee (O Verão de Sam), Sofia Coppola (As Virgens Suicidas), Franco Zeffirelli (Chá com Mussolini), Mike Leigh (Topsy-Turvy), Roland Joffé (Misteriosa Paixão) e Neil Jordan (Fim de Caso).
Quer mais? Outros nomes menos premiados mas não menos respeitados também deixaram suas marcas em 1999: Tim Burton (A Lenda do Cavaleiro Sem Cabeça), David Cronenberg (eXistenZ), Sam Raimi (Por Amor), Wes Craven (Música do Coração), Chris Columbus (Homem Bicentenário), Mike Newell (Alto Controle), Jim Jarmusch (Ghost Dog), Rob Reiner (A História de Nós Dois), John McTiernan (Thomas Crown – A Arte do Crime), Luc Besson (Joana D’Arc) e Brad Bird (Gigante de Ferro). Olhando para todos esses nomes, é impossível não se surpreender com a seguinte constatação: 1999 foi o ano em que presenciamos os mestres consagrados nas décadas de 1970 e 80 trabalhando simultaneamente a muitos dos melhores diretores que estão em evidência ainda hoje. E isso porque ainda nem citei todos…
Pensando nos gêneros, todos foram bem contemplados naquele 1999 saudoso que ainda considero pacas. Nos filmes de ação, dá para lembrar com carinho de A Múmia, 007 – O Mundo Não é o Bastante, O Colecionador de Ossos, Armadilha e O Troco. No suspense e terror não houve nada tão revolucionário, mas você deve ter visto 8 Milímetros, Fim dos Dias, Stigmata, Ecos do Além, A Casa da Colina, A Casa Amaldiçoada e Tentação Fatal. Já entre os produtos para adolescentes rolaram coisas importantes como 10 Coisas que Eu Odeio em Você, Segundas Intenções, Vamos Nessa e American Pie – A 1ª Vez é Inesquecível. E ainda falando de romance, não dá para esquecer de Um Lugar Chamado Notting Hill, Noiva em Fuga, Nunca Fui Beijada, De Volta para o Presente e Ela é Demais.
1999 também foi o ano das comédias ousadas como South Park: Maior, Melhor e Sem Cortes, Como Enlouquecer Seu Chefe, Austin Powers – O Agente “Bond” Cama, Gigolô por Acidente, 200 Cigarros, Os Picaretas, Máfia no Divã, O Paizão e Heróis Fora de Órbita. E de sucessos infantis que também emocionaram adultos como Toy Story 2, Tarzan, O Pequeno Stuart Little e Pokémon – O Filme.
No quesito “filmes importantes”, 1999 teve o inspirador À Espera de um Milagre, de Frank Darabont, o mesmo diretor de Um Sonho de Liberdade. Foi o ano do ótimo O Informante, de Michael Mann, e de Meninos Não Choram, com a premiada atuação de Hilary Swank. E também de Dogma, o filme mais incendiário do então promissor Kevin Smith. E de Garota, Interrompida, que marcou a melhor performance de Angelina Jolie. E do belo documentário musical Buena Vista Social Club, de Wim Wenders. E foi nesse ano que duas obras importantes lançadas em 1998 enfim foram vistas fora de seus países de origem: o alemão Corra, Lola, Corra e o britânico Jogos, Trapaças e Dois Canos Fumegantes.
Mas é impossível pensar em 1999 sem mencionar O Sexto Sentido, o grande sucesso de M. Night Shyamalan, que também lhe rendeu sua única indicação ao Oscar. E Magnolia, a obra-prima de Paul Thomas Anderson, então com apenas 29 anos. E também o redundantemente belo Beleza Americana, a estreia de Sam Mendes na direção, que ganhou todos os prêmios possíveis daquele ano.
E por último mas não menos importantes, 1999 lançou filmes definidores de gêneros e influentes até hoje, como o experimento aterrorizante A Bruxa de Blair; o chocante manifesto Clube da Luta, de David Fincher; o bizarro e surrealista Quero Ser John Malkovich, de Spike Jonze; e o icônico e indispensável Matrix, das irmãs Lana e Lilly Wachowski; E claro, foi o ano que marcou a volta triunfal de Star Wars ao imaginário popular e aos cinemas após 16 anos, com Episódio I – A Ameaça Fantasma.
Agora… cadê a máquina do tempo para eu voltar 20 anos e assistir a tudo isso de novo pela primeira vez?
Texto originalmente publicado no site AdoroCinema em 4/3/2019.